Parte II
Vimos na primeira parte um pouco da história do brincar e das brincadeiras e as ideologias que são passadas através dos mesmos.
Nesta segunda parte será discutida a importância desta atividade para o desenvolvimento da criança.
Nos primeiros momentos de vida, a criança dá
significados as suas ações e as suas reações, apreendendo as significações que
permeiam seu meio cultural; significados estes que são transmitidos pelos
adultos que são seus cuidadores e mediadores da relação da criança com o mundo.
Através da mediação e de suas consequências, a criança desenvolve seu psiquismo
pela internalização da realidade em que está inserida, podendo-se dizer que a
individualidade tem sua origem na intersubjetividade.
O brincar se constitui como um espaço privilegiado de interação infantil, permitindo a constituição da criança como produto e produtor de sua história e cultura. Assim, o ato de brincar possibilita a compreensão da constituição do sujeito, pois tem em si os significados que foram produzidos ao longo da história e de cada sociedade, quanto os significados que surgem no próprio momento do brincar.
A partir da interação da criança com outras pessoas de maior experiência cultural e social, funções como a memória, atenção, percepção se aprimoram, através da linguagem que se é estabelecida.
Deste modo, a brincadeira é o primeiro momento de construção da imaginação e dá origem a processos psicológicos que são fundamentais para o desenvolvimento da criança.
Para a criança em idade pré-escolar o brincar de "faz-de-conta" constitui-se como a principal atividade, favorecendo o desenvolvimento de competências importantes para esta fase, como a abstração e o autocontrole.
Para satisfazer necessidades imediatas, a criança se envolve em um mundo de imaginação e ilusão, podendo neste mundo realizar seus desejos, ou seja, o brincar de "faz-de-conta" auxilia na superação que lhe é imposta pela cultura, pois ao não poder realizar o que observa o adulto fazer, brinca com a cena observada, por exemplo, ao desejar fazer comida como sua mãe faz, brinca de fazer comida para suas bonecas.
Este ato de utilizar um objeto como se fosse outro auxilia na descoberta das funções deste e, à medida em que a criança se desenvolve, passa da descoberta de objetos para as funções de papeis sociais, como nas brincadeiras em que se é "professora", "médico", "mãe que cuida dos filhos".
Ao favorecer a abstração, as brincadeiras de "faz-de-conta" favorecem o desenvolvimento cognitivo.
Os jogos coletivos de "faz-de-conta" também são de suma importância para o desenvolvimento do comportamento social, pois as crianças, ao brincarem umas com as outras, coordenam suas ações com as das demais em uma troca de papeis e representações.
Além destes fatores, ao se relacionarem com pares, as crianças desenvolvem habilidades necessárias para fortalecer as relações vividas, pois aprimoram-se a sociabilidade, a intimidade, o senso de pertencimento e identidade, a liderança, a motivação e habilidades de comunicação e cooperação
A brincadeira também desenvolve o autocontrole, pois todo o brincar tem regras, algumas mais explícitas e outras mais implícitas, dependendo do tipo de jogo, e que favorecem a autodisciplina, auxiliando a criança a lidar com a impulsividade.
O brincar favorece também o desenvolvimento intelectual
na medida em que proporciona um ambiente no qual a linguagem é utilizada para a
comunicação, bem como a utilização recursos para o desenvolvimento da fantasia,
do planejamento das estratégias a serem utilizadas e a resolução de problemas.
Assim, entre as contribuições do brincar para o desenvolvimento da criança, pode-se citar:
- Favorecimento da socialização;
- Internalização de valores, papeis e hábitos, através da imitação do comportamento adulto;
- Na comparação com outras crianças, desenvolve uma auto avaliação;
- Ao ajudar outra criança, desenvolve a moral;
- Com os jogos de regras, adquire autocontrole, autodeterminação e mantém seus impulsos subordinados;
- Utilização de representações mentais, libertando-se de situações concretas através de situações imaginárias;
- No brinquedo, tem a possibilidade de resolver seus conflitos, tensões e limitações da infância.
Posto isto, deixemos e estimulemos nossas crianças a brincarem, sejam sozinhas, em grupo e também com nossa participação, pois nesta interação, auxiliamos em seu desenvolvimento, bem como também permitimos que a nossa criança reapareça em um instante, nos deleitando com uma atividade tão prazerosa, além de desfrutarmos de um momento de afeto e carinho com nossos pequenos!
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