segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Brincadeira de Criança: um assunto sério (Parte II)

Parte II
 
 
Vimos na primeira parte um pouco da história do brincar e das brincadeiras e as ideologias que são passadas através dos mesmos.
 
Nesta segunda parte será discutida a importância desta atividade para o desenvolvimento da criança.
 
Nos primeiros momentos de vida, a criança dá significados as suas ações e as suas reações, apreendendo as significações que permeiam seu meio cultural; significados estes que são transmitidos pelos adultos que são seus cuidadores e mediadores da relação da criança com o mundo. Através da mediação e de suas consequências, a criança desenvolve seu psiquismo pela internalização da realidade em que está inserida, podendo-se dizer que a individualidade tem sua origem na intersubjetividade.
 
O brincar se constitui como um espaço privilegiado de interação infantil, permitindo a constituição da criança como produto e produtor de sua história e cultura. Assim, o ato de brincar possibilita a compreensão da constituição do sujeito, pois tem em si os significados que foram produzidos ao longo da história e de cada sociedade, quanto os significados que surgem no próprio momento do brincar.
  
A partir da interação da criança com outras pessoas de maior experiência cultural e social, funções como a memória, atenção, percepção se aprimoram, através da linguagem que se é estabelecida.
 
 
 
Deste modo, a brincadeira é o primeiro momento de construção da imaginação e dá origem a processos psicológicos que são fundamentais para o desenvolvimento da criança.
 
 
 
Para a criança em idade pré-escolar o brincar de "faz-de-conta" constitui-se como a principal atividade, favorecendo o desenvolvimento de competências importantes para esta fase, como a abstração e o autocontrole.
 
Para satisfazer necessidades imediatas, a criança se envolve em um mundo de imaginação e ilusão, podendo neste mundo realizar seus desejos, ou seja, o brincar de "faz-de-conta" auxilia na superação que lhe é imposta pela cultura, pois ao não poder realizar o que observa o adulto fazer, brinca com a cena observada, por exemplo, ao desejar fazer comida como sua mãe faz, brinca de fazer comida para suas bonecas.
 
Este ato de utilizar um objeto como se fosse outro auxilia na descoberta das funções deste e, à medida em que a criança se desenvolve, passa da descoberta de objetos para as funções de papeis sociais, como nas brincadeiras em que se é "professora", "médico", "mãe que cuida dos filhos". 
 
 
 
Ao favorecer a abstração, as brincadeiras de "faz-de-conta" favorecem o desenvolvimento cognitivo.
 
Os jogos coletivos de "faz-de-conta" também são de suma importância para o desenvolvimento do comportamento social, pois as crianças, ao brincarem umas com as outras, coordenam suas ações com as das demais em uma troca de papeis e representações.
 
Além destes fatores, ao se relacionarem com pares, as crianças desenvolvem habilidades necessárias para fortalecer as relações vividas, pois aprimoram-se a sociabilidade, a intimidade, o senso de pertencimento e identidade, a liderança, a motivação e habilidades de comunicação e cooperação
 
A brincadeira também desenvolve o autocontrole, pois todo o brincar tem regras, algumas mais explícitas e outras mais implícitas, dependendo do tipo de jogo, e que favorecem a autodisciplina, auxiliando a criança a lidar com a impulsividade.
 
Na brincadeira a criança adquire a capacidade de administrar a sua relação com o outro e com o ambiente e a realidade em que vive, assimilando e apropriando-se dos significados das ações humanas, para constituir-se como sujeito.
 
O brincar favorece também o desenvolvimento intelectual na medida em que proporciona um ambiente no qual a linguagem é utilizada para a comunicação, bem como a utilização recursos para o desenvolvimento da fantasia, do planejamento das estratégias a serem utilizadas e a resolução de problemas.
 
Assim, entre as contribuições do brincar para o desenvolvimento da criança, pode-se citar:
 
  • Favorecimento da socialização;
  • Internalização de valores, papeis e hábitos, através da imitação do comportamento adulto;
  • Na comparação com outras crianças, desenvolve uma auto avaliação;
  • Ao ajudar outra criança, desenvolve a moral;
  • Com os jogos de regras, adquire autocontrole, autodeterminação e mantém seus impulsos subordinados;
  • Utilização de representações mentais, libertando-se de situações concretas através de situações imaginárias;
  • No brinquedo, tem a possibilidade de resolver seus conflitos, tensões e limitações da infância.
 
 
 
Posto isto, deixemos e estimulemos nossas crianças a brincarem, sejam sozinhas, em grupo e também com nossa participação, pois nesta interação, auxiliamos em seu desenvolvimento, bem como também permitimos que a nossa criança reapareça em um instante, nos deleitando com uma atividade tão prazerosa, além de desfrutarmos de um momento de afeto e carinho com nossos pequenos!
 
 
Bibliografia Utilizada
 
 
BOIKO, Vanessa Alessandra Thomaz; ZAMBERLAN, Maria Aparecida Trevisan. A perspectiva sócio-construtivista na psicologia e na educação: o brincar na pré-escola. Psicol. estud.,  Maringá,  v. 6,  n. 1, jun.  2001.
 
SANTOMÉ, Jurjo Torres. A Socialização Infantil por meio do Jogo e do Brinquedo: discursos explícitos e ocultos sobre o jogo e a brincadeira nas instituições escolares. In CANER, Ana e MOREIRA, Flavio Barbosa. Ênfases e Omissões no Currículo. Campinas, SP: Papirus, 2001, p. 89 – 116.

SHAFFER, David R. e KIPP, Katherine. Psicologia do Desenvolvimento – infância e adolescência. 8ª edição. São Paulo; Cengage Learnig, 2011.

VIEIRA, Therezinha; CARVALHO, Alysson; MARTINS, Elizabeth. Concepções do Brincar na Psicologia. In CARVALHO, Alysson; SALLES, Fátima; GUIMARÃES, Marília; DEBORTOLI, José Alfredo (orgs). Brincar(es). Belo Horizonte: UFMG, 2009. p. 29 - 50.
 
 VYGOTSKY, Lev Semenovich. A Formação Social da Mente. 4ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 1991. 224 p.
 
ZANELLA, Andréa Vieira; ANDRADA, Edla Grisard Caldeira de. Processos de significação no brincar: problematizando a constituição do sujeito. Psicol. estud.,  Maringá,  v. 7,  n. 2, dez.  2002 .







domingo, 18 de agosto de 2013

Brincadeira de Criança: um assunto sério!

Parte I



Quando pensamos em crianças e seu universo, automaticamente pensamos em brinquedos, brincadeiras e jogos, ou seja, criança e brincar são indissociáveis, ou pelo menos, gostaríamos que a vida de todas as crianças fosse permeada por tais atividades...

O brincar é mais sério do que se imagina e, pensando nisto, esta temática será dividida em dois textos. Neste primeiro teremos a história do brincar, pois, assim como nós e tudo o que conhecemos, este ato teve uma origem e, ao contrário do que acreditamos, não nasceu exclusivamente para e com as crianças!

Discutiremos também, nesta primeira parte, as ideologias transmitidas nos brinquedos.

Para o segundo texto, teremos como tópico principal a contribuição desta atividade para o desenvolvimento da criança.

Uma coisa é certa, a presença de brincadeiras sempre foi importante em cada sociedade e momento histórico cultural, assumindo diversas configurações e características em cada uma delas.

Nas sociedades antigas, como a Grécia, os brinquedos tinham relação com cerimônias religiosas e tanto adultos como crianças participavam de atividades envolvendo jogos e brincadeiras, visto que era uma maneira de promover laços de afetividade e união entre os membros da sociedade.




Na Idade Média, os brinquedos serviam como modelos de imitação do comportamento dos adultos para as crianças, exemplos disso são o cavalo de pau e a espada.

      



Com o surgimento do Cristianismo, os jogos passam a ser considerados delituosos e apenas no período do Renascimento voltaram a fazer parte do cotidiano da juventude.

Como brincadeiras, temos no século XVI jogos com bola e pipa e no século XIII, a invenção de fantoches e a popularização de jogos educativos, antes exclusivos aos nobres e príncipes.





Um fato curioso é não se ter uma data específica do surgimento das bonecas, pois seu uso remonta desde imagens de crianças e mulheres em rituais religiosos e de bruxaria, além de servirem de manequim às mulheres abastadas das sociedades antigas.


  
Quanto à fabricação dos brinquedos, esta ficava por conta dos artesãos. Na segunda metade do século XIX os brinquedos deixam de ser confeccionados por tais profissionais, pois ficam mais sofisticados e, com o advento do capitalismo, passam a ter fins lucrativos, deixando-se a finalidade do lúdico para o consumo.


Durante a Primeira Guerra Mundial, os jogos militares ficaram em ascensão e com o seu fim, surgem atividades ligadas ao esporte, como autoramas, patins etc.






A sociedade atual, configurada pelo consumismo, tem como premissa a preocupação com a segurança e com as saúde, desta maneira, os brinquedos são fabricados em plástico. O mercado da publicidade investe nesta nova configuração, difundindo na criança o desejo de ter determinados brinquedos que sigam padrões específicos.




Crescem também espaços físicos para brincar, onde só se tem acesso mediante pagamento, denotando o caráter de poder e das classes sociais que o brinquedo e os jogos assumem no atual momento histórico cultural.



Assim, observamos que os jogos e os brinquedos difundem as ideologias dominantes na sociedade da época. O que podemos observar atualmente como modelos transmitidos nos brinquedos são:

  • Sexistas: brinquedos com estereótipos conservadores e machistas;
  • Racistas: brinquedos em que se predomina a etnia branca, com cabelos claros e lisos e olhos claros;
  • Militaristas: brinquedos que visam a competição, violência machista e utilização de armas de brinquedos;
  • Classistas: brinquedos onde as pessoas são representadas com empregos, prestígio social e que morem em centros urbanos.
Posto isto, como então o brincar influência no desenvolvimento social, afetivo e psicológico da criança de hoje? Isto fica para nosso próximo texto! Até lá!


Bibliografia utilizada


ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. 2ª edição. Rio de Janeiro, 2006. 196 p.


KISHIMOTO, Tizuko Morchida. O Brinquedo na Educação – considerações históricas. São Paulo: FDE, 1995. p. 39-45.

MEIRA, Ana Maria. Benjamim, os Brinquedos e a Infância Contemporânea. Psicol. Soc., Porto Alegre, v. 15, n. 2, dez, 2003.


SANTOMÉ, Jurjo Torres. A Socialização Infantil por meio do Jogo e do Brinquedo: discursos explícitos e ocultos sobre o jogo e a brincadeira nas instituições escolares. In CANER, Ana e MOREIRA, Flavio Barbosa. Ênfases e Omissões no Currículo. Campinas, SP: Papirus, 2001, p. 89 – 116.


SOUZA, Bruna Louise de Godoy Macedo de. A criança do século XXI: Uma análise do sentido subjetivo atribuído por crianças à própria infância. São Paulo: Universidade Paulista - UNIP, 2012. 213 p. 


VOLPATO, Gildo. Jogos e Brinquedos: reflexões a partir da teoria crítica. Educ. Soc. Campinas, vol. 23, n. 81, p. 217 – 226, dez. 2002.










sábado, 10 de agosto de 2013

"Ser Criança na Sociedade Contemporânea: isto é possível?"





Atualmente, vivemos em plena era da tecnologia, onde avanços em equipamentos, meios, recursos se dão em uma velocidade que, muitas vezes, nos é difícil acompanhar. Observamos também relações interpessoais cada vez mais breves e à distância e, paradoxalmente, próximas, pois estão ao alcance da mão, em um aparelho de telefonia moderno e de fácil acesso à quase todas as pessoas, gerando novas ferramentas de comunicação e um boom de redes sociais. Este cenário influencia nos padrões socioculturais e a maneira em que os pares se relacionam sofre mudanças em suas configurações.

No que tange à infância, comumente ouvimos que a criança de hoje não é igual à de antigamente e que não observamos mais este fenômeno “infância”. Se levarmos em conta o pressuposto anterior, a infância de hoje é, de fato, diferente da infância de dez, vinte anos atrás, não significando, portanto, que não exista mais.

Então... Quem é a criança de hoje???

Para que se compreenda mais claramente tal questão, há que se partir do princípio...

O que significa “Infância”?

Sua etimologia é do latim Infantia, ou seja “indivíduo que não sabe falar” e ao longo da história da humanidade tivemos diversas concepções de infância.

Um dos grandes historiadores e referência no estudo da Criança e da Família, Philippe Áries, através de seus trabalhos, constatou que, até o século XII, não havia a representação de crianças nas obras de artes.

Até este período, não existia uma concepção da infância, o que não significava que eram negligenciadas, porém, não havia uma diferenciação entre o que pertencia ao mundo dos adultos e ao mundo das crianças, participando todos das mesmas atividades de trabalho, festas, jogos, rituais e até os trajes eram iguais e era no convívio com os adultos que a criança aprendia a se comportar.

É somente após o século XV e mais fortemente no século XVII, que surgem as primeiras preocupações a respeito da inocência da criança e a preservação da mesma, evitando-se a promiscuidade, o linguajar impróprio e mantendo a criança sobre constante vigilância. Já no século XIX, a escola e a família atuam como as responsáveis pela educação e formação da criança. Seguindo um modelo médico-higienista, passa-se a primar pelo controle e pela disciplina do corpo.

A Revolução Industrial foi o grande marco para a mudança de paradigma da sociedade contemporânea. A família torna-se nuclear e não mais extensa, unidas por laços sentimentais de grande fragilidade. Em meados do século XX, a criança passa a ser vista como cidadã plena de direitos, resultado da adoção, pela ONU, dos Direitos da Criança. É também neste período que se acredita que o bem-estar das crianças e de suas vidas dependa do “ninho familiar”, o qual se constrói no registro da intimidade.

Na sociedade contemporânea são diversos os cenários que podemos encontrar como divórcios, pais e mães solteiros ou que, quando casados, tem extensa jornada de trabalho, ausentando-se do convívio familiar ou dividindo sua atenção para com serviços domésticos e com o cuidado dos filhos; crianças com jornadas escolares e extraescolares, como esportes, línguas, informática.

No que diz respeito à família, os pais ou os cuidadores, tem grande importância no processo de formação do indivíduo como ser social, pois este núcleo constitui uma das mais importantes instituições de socialização da contemporaneidade.

Ainda sobre a instituição familiar, esta passa por transformações e novas configurações na sociedade contemporânea. A separação conjugal, recasamentos, filhos de novas uniões, outros membros da família, como avós e tios como cuidadores são cenários comuns e que vão sendo incorporados no contexto da criança atual.

Parece existir atualmente um discurso ambíguo quanto ao que entendemos por infância, pois de um lado tem-se e propaga-se a visão de uma infância permeada pela inocência e fragilidade, e ao mesmo tempo, oferece-se à estas um mercado de grande consumo, de bens culturais e de lazer diversos, de facilidade no que tange ao acesso às mais variadas informações, distâncias encurtadas com acesso à internet e novas configurações familiares.



Este paradoxo envolvendo tal período do desenvolvimento humano gera angústia à toda sociedade.

Brincadeiras de rua, com bonecas, carrinhos e com outros pares, ainda são comuns em nossa sociedade, mas tem como aliados não apenas a televisão, as brincadeiras em jogos de vídeo games e computador ou páginas de relacionamento, mas também as atividades extraescolares, como esportes, línguas e desenvolvimento de habilidades diversas, e tarefas dentro de casa.

O que se pode perceber quanto às diferenças entre brincadeiras reais e virtuais é que a primeira favorece uma socialização maior entre as crianças, enquanto a segunda, quando ocorre com maior frequência, distancia a criança de seus pares, provocando um isolamento desta e uma dificuldade maior em comunicar-se.

 

As crianças são hoje seres atuantes na sociedade, construindo um novo modo de entender e compreender a infância, que é própria de nossa época e sendo a infância um conceito socialmente construído, as crianças de hoje vivenciam este momento do desenvolvimento à maneira que lhes é possível e oferecido e se compreendem como tal, brincando, estudando e consumindo, visto que, no século XXI, esta é uma das características que constituem a infância.

Este é um texto de abertura para novas discussões sobre a infância atual, no qual o objetivo é uma compreensão de como estes cenários podem contribuir ou não para um desenvolvimento saudável de nossas crianças.

Bibliografia Utilizada
AGUIAR, Wanda Maria Junqueira. Reflexões a partir da psicologia sócio-histórica sobre a categoria "consciência". Cad. Pesqui.,  São Paulo,  n. 110, jul.  2000.
ANDRIANI, Ana Gabriela P. O Significado Construído por Jovens Negros Pertencentes a Camadas Populares sobre a Escolha do Futuro Profissional. In OZELLA, Sérgio. (organizador). Adolescências Construídas. São Paulo: Cortez, 2003. P. 223 – 252.
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da Educação. São Paulo: Moderna, 1989. p. 96 – 98.
ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. 2ª edição. Rio de Janeiro, 2006. 196 p.
DORNELLES, Leni Vieira. Infâncias que nos Escapam – da criança de rua à criança cyber. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005. 109 p.
FROTA, Ana Maria Monte Coelho. Diferentes concepções da infância e adolescência: a importância da historicidade para sua construção. Estud. pesqui. psicol.,  Rio de Janeiro,  v. 7,  n. 1, jun.  2007 .
LEGNANI, Viviane Neves; ALMEIDA, Sandra Francesca Conte de. A construção da infância: entre os saberes científicos e as práticas sociais. Estilos clin.,  São Paulo,  v. 9,  n. 16, jun.  2004 .
SOUZA, Bruna Louise de Godoy Macedo de. A criança do século XXI: Uma análise do sentido subjetivo atribuído por crianças à própria infância. São Paulo: Universidade Paulista - UNIP, 2012. 213 p. 
TEIXEIRA, Lumena Celi. Sentido Subjetivo da Exploração Sexual para uma Adolescente Prostituída. In OZELLA, Sérgio. (organizador). Adolescências Construídas. São Paulo: Cortez, 2003. P. 105 – 136.
TOMAS, Catarina Almeida. A transformação da infância e da educação: algumas reflexões sócio-históricas. Paidéia (Ribeirão Preto),  Ribeirão Preto,  v. 11,  n. 21,   2001.