"Ser Criança na Sociedade Contemporânea: isto é possível?"
Atualmente, vivemos em plena era da tecnologia, onde
avanços em equipamentos, meios, recursos se dão em uma velocidade que, muitas
vezes, nos é difícil acompanhar. Observamos também relações interpessoais cada
vez mais breves e à distância e, paradoxalmente, próximas, pois estão ao
alcance da mão, em um aparelho de telefonia moderno e de fácil acesso à quase
todas as pessoas, gerando novas ferramentas de comunicação e um boom de redes
sociais. Este cenário influencia nos padrões socioculturais e a maneira em que
os pares se relacionam sofre mudanças em suas configurações.
No que tange à infância, comumente ouvimos que a
criança de hoje não é igual à de antigamente e que não observamos mais este
fenômeno “infância”. Se levarmos em conta o pressuposto anterior, a infância de
hoje é, de fato, diferente da infância de dez, vinte anos atrás, não significando,
portanto, que não exista mais.
Então... Quem é a criança de hoje???
Para que se compreenda mais claramente tal questão,
há que se partir do princípio...
O que significa “Infância”?
Sua etimologia é do latim Infantia, ou seja “indivíduo que não sabe falar” e ao longo da
história da humanidade tivemos diversas concepções de infância.
Um
dos grandes historiadores e referência no estudo da Criança e da Família,
Philippe Áries, através de seus trabalhos, constatou que, até o século XII, não
havia a representação de crianças nas obras de artes.
Até
este período, não existia uma concepção da infância, o que não significava que
eram negligenciadas, porém, não havia uma diferenciação entre o que pertencia
ao mundo dos adultos e ao mundo das crianças, participando todos das mesmas
atividades de trabalho, festas, jogos, rituais e até os trajes eram iguais e
era no convívio com os adultos que a criança aprendia a se comportar.
É
somente após o século XV e mais fortemente no século XVII, que surgem as
primeiras preocupações a respeito da inocência da criança e a preservação da
mesma, evitando-se a promiscuidade, o linguajar impróprio e mantendo a criança
sobre constante vigilância. Já no século XIX, a escola e a família atuam como as
responsáveis pela educação e formação da criança. Seguindo um modelo
médico-higienista, passa-se a primar pelo controle e pela disciplina do corpo.
A
Revolução Industrial foi o grande marco para a mudança de paradigma da
sociedade contemporânea. A família torna-se nuclear e não mais extensa, unidas
por laços sentimentais de grande fragilidade. Em meados do século XX, a criança
passa a ser vista como cidadã plena de direitos, resultado da adoção, pela ONU,
dos Direitos da Criança. É também neste período que se acredita que o bem-estar
das crianças e de suas vidas dependa do “ninho familiar”, o qual se constrói no
registro da intimidade.
Na
sociedade contemporânea são diversos os cenários que podemos encontrar como
divórcios, pais e mães solteiros ou que, quando casados, tem extensa jornada de
trabalho, ausentando-se do convívio familiar ou dividindo sua atenção para com
serviços domésticos e com o cuidado dos filhos; crianças com jornadas escolares
e extraescolares, como esportes, línguas, informática.
No
que diz respeito à família, os pais ou os cuidadores, tem grande importância no
processo de formação do indivíduo como ser social, pois este núcleo constitui
uma das mais importantes instituições de socialização da contemporaneidade.
Ainda
sobre a instituição familiar, esta passa por transformações e novas
configurações na sociedade contemporânea. A separação conjugal, recasamentos,
filhos de novas uniões, outros membros da família, como avós e tios como
cuidadores são cenários comuns e que vão sendo incorporados no contexto da
criança atual.
Parece
existir atualmente um discurso ambíguo quanto ao que entendemos por infância,
pois de um lado tem-se e propaga-se a visão de uma infância permeada pela
inocência e fragilidade, e ao mesmo tempo, oferece-se à estas um mercado de
grande consumo, de bens culturais e de lazer diversos, de facilidade no que
tange ao acesso às mais variadas informações, distâncias encurtadas com acesso
à internet e novas configurações familiares.
Este
paradoxo envolvendo tal período do desenvolvimento humano gera angústia à toda
sociedade.
Brincadeiras
de rua, com bonecas, carrinhos e com outros pares, ainda são comuns em nossa
sociedade, mas tem como aliados não apenas a televisão, as brincadeiras em
jogos de vídeo games e computador ou páginas de relacionamento, mas também as
atividades extraescolares, como esportes, línguas e desenvolvimento de
habilidades diversas, e tarefas dentro de casa.
O
que se pode perceber quanto às diferenças entre brincadeiras reais e virtuais é
que a primeira favorece uma socialização maior entre as crianças, enquanto a
segunda, quando ocorre com maior frequência, distancia a criança de seus pares,
provocando um isolamento desta e uma dificuldade maior em comunicar-se.
As
crianças são hoje seres atuantes na sociedade, construindo um novo modo de
entender e compreender a infância, que é própria de nossa época e sendo a
infância um conceito socialmente construído, as crianças de hoje vivenciam este
momento do desenvolvimento à maneira que lhes é possível e oferecido e se
compreendem como tal, brincando, estudando e consumindo, visto que, no século
XXI, esta é uma das características que constituem a infância.
Este
é um texto de abertura para novas discussões sobre a infância atual, no qual o
objetivo é uma compreensão de como estes cenários podem contribuir ou não para
um desenvolvimento saudável de nossas crianças.
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